Irlys Alencar F. Barreira, professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, destaca a importância da equidade de gênero na esfera da representação política
A reflexão sobre a participação de candidatas nas eleições vem à tona a cada momento eleitoral, ressaltando a necessidade de incrementar a equidade de gênero na esfera da representação política.
Nas eleições atuais, as pretendentes a cargos de representação concentram-se como vices. Nas funções majoritárias para governador (17,04%) e senador (22,55%) as candidaturas femininas apresentam menores percentuais. Ressalta-se que o eleitorado é composto de 53% de mulheres, evidenciando a disparidade entre mulheres que votam e mulheres candidatas ou representantes eleitas.
O estabelecimento da lei de cotas, uma conquista do movimento feminista, mesmo contribuindo para o aumento de candidaturas femininas não tem gerado o resultado almejado. Emerge a hipótese de que as eleições refletem um processo mais amplo de segmentação de espaços cujo efeito é o acesso limitado a mulheres no campo da política. Mesmo em uma sociedade moderna e secularizada como a brasileira, observa-se que as mulheres, em sua maioria, mantêm afazeres que as impedem de cumprir as condições necessárias ao percurso de uma carreira política. Em pesquisa realizada no Congresso Nacional em 2015, pude escutar de representantes do Senado e Câmara de Deputados falar sobre a difícil tarefa de conciliar as atividades domésticas e o trabalho parlamentar.
Os momentos eleitorais, com candidaturas femininas nem sempre competitivas, refletem formas simbólicas de dominação historicamente construídas. O que nomeei em outros trabalhos de biografias pioneiras aponta a apresentação de candidatas ou parlamentares eleitas, contendo a seguinte frase: “Primeira mulher a ocupar o cargo de ……”. Trata-se de alusão à existência de obstáculos no percurso político e realce para aquelas que conseguiram vencê-los.
A memória pública das representantes políticas sugere, por outro lado, que o “fracasso” ou “sucesso” das gestões constituem uma espécie de medida de avaliação de desempenho. Uma mulher na política promove um julgamento extensivo a seu gênero. Essa questão emergiu no caso da ex-presidente Dilma Rousseff, durante o impeachment, revelando preconceitos associados à condição feminina. No contexto atual, escutei em noticiários que alguns postulantes à chefia do Executivo Nacional buscavam uma “vice mulher”, indicando ser o gênero um atributo com significações oportunas que migram de outros espaços para o campo da política.
A participação de mulheres na política institucional é recente (Phillips, 1996*) e as demandas de equidade dos movimentos feministas estavam mais circunscritas ao protagonismo em instituições variadas da sociedade civil. Aos poucos, destacou-se a importância das mulheres nos espaços de poder e as possibilidades de formação de representantes capacitadas ao exercício de cargos políticos.
A pesquisa que realizei em parceria com a professora Daniele Nilin em 2010** sobre a presença de mulheres nos partidos destacou as potencialidades de incentivo de dirigentes partidários. O discurso de líderes não se mostrou imune às tensões internas que se efetivam no campo da política. Uma delas refere-se à valorização da equidade, desde que não comprometa a maximização de resultados eleitorais. Os partidos, em sua maioria, tendiam a fazer uma adaptação das estratégias de maximização das oportunidades de ganhos eleitorais com o preenchimento das cotas. A dimensão pragmática trazia como suposto a ideia de que os partidos necessitavam solidificar seus candidatos com maior capital político, independente da condição de gênero. O contraponto entre ações protecionistas e ações pragmáticas precisa ser revisto em nova investigação.
A participação das mulheres em campanhas políticas encontra-se condicionada à construção de reconhecimento baseado em valores que transitam em espaços diversificados da vida social. Uma política voltada para o incremento da participação de mulheres candidatas deve atentar para os espaços de construção de lideranças no interior dos partidos, verificando ainda as motivações e os estigmas culturalmente sedimentados.
Enfim, a existência de candidaturas femininas efetivamente competitivas supõe uma análise de condições sociais mais amplas que impedem a equidade da representação, assim como um aprofundamento da política de cotas em momentos que antecedem os contextos eleitorais.
Notas:
(*) PHILLIPS, Anne. Género y teoría democrática. México: Instituto de investigaciones sociales, 1996.
(**) BARREIRA, Irlys. A. F.; GONÇALVES, D. N. . “Presença” e “ausência” de candidatas: mapeando representações de dirigentes partidários. In: José Eustáquio Diniz Alves; Céli Regina Jardim Pinto; Fátima Jordão. (Org.). Mulheres nas eleições 2010. 1ed.São Paulo: ABCP/Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2012, v. 1, p. 315-336.
Sobre a autora:
Irlys Alencar F. Barreira é professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do CNPq.
* O artigo expressa exclusivamente a opinião da sua autora